quarta-feira, 28 de maio de 2014

Células-tronco e estímulo elétrico recuperam movimento de paraplégicos.

Neurociência.

Fonte: Veja - 26/05/2014

Técnicas atuam diretamente na lesão que causou a paralisia, para reestabelecer a comunicação natural entre os membros e o cérebro

Juliana Santos
Paciente com paraplegia durante condicionamento muscular dos membros inferiores utilizando a Estimulação Elétrica Neuromuscular
Paciente paraplégico durante condicionamento muscular dos membros inferiores utilizando a Estimulação Elétrica Neuromuscular (Reprodução/EESC USP)
Vestindo um equipamento robótico, que envolverá suas pernas e tronco, um adolescente paraplégico dará o chute inicial na cerimônia de abertura da Copa do Mundo, em 12 de junho. Mas, para voltar a andar, quem perdeu o movimento das pernas talvez não precise se parecer com um ciborgue. Enquanto as vestes robóticas, ou exoesqueletos, auxiliam a locomoção do paciente, outras abordagens tentam resolver o problema de dentro para fora, ao reestabelecer a comunicação natural entre os membros e o cérebro. Técnicas como células-tronco e estímulos elétricos atuam diretamente na lesão que causou a paralisia.
No Brasil, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem usado estímulos elétricos para devolver a diversos pacientes a capacidade de se locomover sozinhos, ainda que com ajuda de muletas ou andadores. Pacientes com lesão na medula recebem estímulos por meio de eletrodos fixados superficialmente nas pernas. As correntes elétricas atingem as raízes lombo-sacrais do paciente, neurônios que atuam na ativação dos músculos de membros inferiores, fazendo com que eles comecem a andar de forma automática. Dessa forma, a medula aprende o movimento de caminhar por repetição, sem a participação do cérebro, em um primeiro momento. "Trata-se de um mecanismo semelhante àquele em que a gente retira rapidamente a mão de uma superfície muito quente, por reflexo. A reação é tão rápida que não dá tempo da informação chegar ao cérebro", explica Alberto Cliquet Júnior, professor titular do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unicamp e de Engenharia Elétrica na Universidade de São Paulo.

Com o tempo, o treino repetitivo da caminhada refaz a ligação entre o cérebro e o músculo, permitindo que o controle do movimento seja voluntário. Esse tratamento é aplicado tanto em pacientes paraplégicos quanto tetraplégicos, mas a movimentação dos membros inferiores só pode ser recuperada em lesões que se localizam da região do umbigo para cima (até a vértebra T-12). Mais abaixo disso, as raízes motoras são comprometidas, e a estimulação elétrica não consegue atuar.
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Movimentos recuperados — Cliquet conta que um dos primeiros pacientes que voltou a andar estava paralisado há cinco anos, em razão de um tumor na medula. Ele recuperou a capacidade de flexionar o pé, e, a partir daí, ganhou movimentos até caminhar com ajuda de muletas. Outro paciente, paraplégico por cinco anos devido a uma infecção do sistema nervoso, afirmava sentir a perna esquerda quando a direita era cutucada, e vice-e-versa, após dois anos de tratamento. Três anos mais tarde, deu os primeiros passos voluntários. "É algo que acontece de um dia para o outro, com algum tempo de tratamento. Quando a conexão é refeita, os movimentos começam a voltar", explica o pesquisador.

Para ele, esses casos de sucesso devem ser considerados "quase ficção", porque não há garantias de que todos os pacientes terão o mesmo êxito. "Alguns conseguem caminhar com apoio de muletas ou andadores, enquanto outros apenas recuperam alguns movimentos e uma parcela sequer reage ao tratamento", diz Cliquet. Não está claro porque a resposta aos estímulos varia, nem quais pacientes são mais propensos a obter benefícios.
Um dos obstáculos enfrentados pelos cientistas é que nem sempre os pacientes recuperam totalmente a sensibilidade nas pernas, o que prejudica seu equilíbrio e exige instrumentos de apoio. Ainda assim, o fato de voltar a caminhar, ainda que com os estímulos elétricos, já traz benefícios cardiovasculares e de ganho de massa óssea para os pacientes. O Ambulatório de Reabilitação Raquimedular do Hospital de Clinicas da Unicamp, que promove esse tratamento há mais de dez anos, está no limite de sua capacidade, realizando por volta de 100 atendimentos por semana.

Células-tronco — Em 2011, um grupo brasileiro ficou conhecido por um caso de sucesso no tratamento de lesão medular, com uso de células-tronco: o ex-policial baiano Maurício Ribeiro, de 47 anos, recuperou parte dos movimentos das pernas e voltou a caminhar com a ajuda de um andador, depois de nove anos paraplégico. Maurício participou da primeira etapa do projeto liderado por Ricardo Ribeiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador do Centro de Terapia Celular do Hospital São Rafael, em Salvador. Nessa fase da pesquisa, catorze pacientes tiveram células-tronco inseridas no local da lesão por meio de uma cirurgia. Atualmente os cientistas estão se preparando para iniciar a segunda fase, com 60 pacientes. Nessa etapa, as células serão injetadas na lesão com uma agulha. "O novo método é menos invasivo, e vai poder ser repetido mais de uma vez no mesmo paciente, enquanto com a outra técnica fizemos a inserção das células-tronco apenas uma vez", explica Ribeiro.

O tratamento retira células-tronco adultas da medula óssea do próprio paciente. Essas células, chamadas mesenquimais, são cultivadas em laboratório por cerca de 30 dias, quando aumentam em quantidade, para depois serem injetadas. O objetivo principal dessas células não é reconstituir neurônios, mas liberar substâncias que estimulam o crescimento das ligações nervosas na área lesionada. "Na região da medula onde há lesão existem poucos neurônios. O maior problema é a junção nervosa, o 'fio' que foi quebrado e precisa ser restaurado. A célula mesenquimal secreta substâncias que diminuem a inflamação e estimulam a religação do nervo", diz Ribeiro.
Até agora, os implantes foram realizados apenas em pacientes paraplégicos, com lesões na região lombar. A nova etapa vai incluir tetraplégicos também. As lesões tratadas são provocadas por traumas, como acidentes de automóvel ou quedas — ferimentos provocados por tiros, onde há o rompimento completo da medula, não participam das pesquisas até o momento.
O maior desafio na recuperação desses pacientes é a atrofia muscular após anos de paralisia — o que torna a fisioterapia essencial para o sucesso dessa técnica. Dentre os catorze pacientes que participaram do início da pesquisa, quatro conseguiram voltar a se locomover com ajuda de um andador. Trata-se de um resultado promissor, considerando-se que o principal objetivo do estudo era mostrar que o uso de células-tronco não acarretaria efeitos colaterais. "A expectativa é que com várias aplicações a gente possa obter resultados melhores, mas ainda é um caminho muito longo e difícil. Acredito que dentro de dez a quinze anos será possível alcançar resultados fantásticos com essa técnica", afirma Ribeiro.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Como chamar as pessoas com deficiência?

Como chamar as pessoas com deficiência?
Foto de cadeirantes em café da manhã com Renan Calheiros
Uma das discussões mais freqüentes em grupos de inclusão social é como chamar as pessoas que têm deficiência. O que seria mais adequado falar, em portador de deficiência, pessoa portadora de deficiência ou portador de necessidades especiais? O consultor Romeu Kazumi Sassaki afirma em seu artigo, Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos, que não existe um único termo correto, válido definitivamente em todos os tempos e espaços.

“A razão disto reside no fato de que a cada época são utilizados termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade enquanto esta evoluiu em seu relacionamento com as pessoas que possuem este ou aquele tipo de deficiência”, explica Sassaki.

Na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, ficou decidido que o termo correto utilizado seria “pessoas com deficiência”. O movimento quer aprovar pela Assembléia Geral da ONU, a ser promulgada posteriormente por meio de lei nacional de todos os países-membros, incluindo o Brasil.

Foram sete os motivos que levaram os movimentos a terem chegado a expressão “pessoas com deficiência”. Entre eles: não esconder ou camuflar a deficiência, mostra com dignidade a realidade e valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência. Sassaki também chamou atenção para combater neologismos que tentam diluir as diferenças tais como “pessoas especiais” ou “pessoas com eficiências diferentes”.

Outro princípio utilizado para embasar a escolha é defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades atendendo às diferenças individuais. O autor diz ainda que a tendência é de parar de usar a palavra “portadora”. “A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa”, esclarece. Ele fala que quase a totalidade dos documentos estão ao consenso a adotar a expressão “pessoas com deficiência” nas manifestações.

Histórico

No decorrer da história, as pessoas com deficiência já tiveram várias denominações. No século 20, por exemplo, o termo usado era “inválidos” que significava indivíduos sem valor. Até 1960, eram chamados de “indivíduos com capacidade residual”, o que segundo o autor Sassaki, foi um avanço da sociedade, reconhecer que a pessoa tinha capacidade mesmo que ainda considerada reduzida. Outra variação foi o uso do termo “os incapazes”.

Entre 1960 e 1980, começava-se a usar as expressões “os deficientes” e “os excepcionais” que focavam as deficiências e reforçavam o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria. Nos anos 80, por pressão da sociedade civil a Organização Mundial da Saúde lançou a terminologia “pessoas deficientes”. Iniciou-se uma conscientização e foi atribuído o valor “pessoas” aqueles que tinham deficiências, igualando-os em direitos a qualquer membro da sociedade.

Até os dias atuais, muitos nomes já foram utilizados como pessoas portadoras de deficiência, pessoas com necessidades especiais, pessoas especiais ou portadores de direitos especiais. Segundo Romeu Sassaki, todos considerados inadequados por representar valores agregados a pessoa. Vale lembrar que o uso dessas expressões estavam inseridas em um contexto social da época.

Fonte: Comissão de Acessibilidade e Comissão de Valorização da Pessoa com Deficiência

Foto: Célio Azevedo/ Agência Senado

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Descobrindo o mundo de muletas. O turismo acessível para deficientes andantes

Conheça Marcos Bauch, que já foi mochileiro na Nova Zelândia, viajou de carro até Machu Picchu, mergulhou em Bonito e saltou de paraquedas em Boituva

da Redação
O engenheiro agrônomo Marcos Bauch, 31 anos, nunca deixou que as muletas que usa desde criança – necessárias devido a uma artropatia nos dois joelhos – o prendessem em casa. Dificuldades existem. Das mais prosaicas, como os pisos escorregadios que já o derrubaram várias vezes, às mais inusitadas, como saltar de paraquedas sem pousar com os pés no chão. “Eu e o instrutor tivemos que bolar uma estratégia para o pouso. Treinamos uma descida sentados e deu certo”, conta o engenheiro.
Mas os desafios que enfrentou jamais o fizeram pensar em desistir das viagens. “São apenas percalços e aumentam o número de histórias para contar aos amigos”, diz ele. A exemplo de Marcos, há muito mais gente disposta a superar limites físicos para colecionar histórias e experiências.

O Brasil possui, atualmente, cerca de 46 milhões de brasileiros (24% da população) com deficiência intelectual, motora, visual e auditiva, conforme o Censo realizado em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E, dentre eles, há muitos viajantes frequentes, segundo constatou o Ministério do Turismo, numa pesquisa realizada em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos, entre os dias 13 a 20 de maio de 2013, nas cinco maiores cidades emissoras de turismo doméstico brasileiro – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte Curitiba e Porto Alegre. A pesquisa apontou que o sentimento de superação, a liberdade e a autonomia são alguns dos principais elementos motivadores dos viajantes. Mas eles não querem só acessibilidade. Como qualquer outro turista, também buscam preços competitivos, belas paisagens, boas condições de transporte e aspectos históricos e sociais interessantes.
A cidade de Socorro, no interior de São Paulo, foi apontada pelos entrevistados como um modelo de turismo acessível, pois é a que oferece a melhor adaptação para pessoas com deficiência. Além de Socorro, Fortaleza (CE), Ilhabela (SP) e Maceió (AL) foram citadas por apresentar passeios, atividades esportivas e ecoturismo para as pessoas com mobilidade reduzida, deficiência auditiva ou visual. Atualmente, o Ministério do Turismo está financiando 14 projetos que envolvem acessibilidade, com investimentos na ordem de R$ 109 milhões.
Só rampa não basta
Mas investir em acessibilidade não é apenas construir rampas para cadeiras de rodas. “É um equívoco achar que tornar uma cidade acessível é só desobstruir barreiras arquitetônicas. É preciso eliminar as barreiras físicas para cadeirantes, mas também ter pessoas habilitadas a se comunicar com deficientes auditivos, disponibilizar material turístico acessível para deficientes visuais e treinar funcionários para atender a essas pessoas”, explica a psicóloga Adriana da Silva Souza, do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas do IFRJ (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia).
“Ao escolher onde se hospedar, a primeira providência é checar se o local vai ajudá-lo nas suas dificuldades individuais. Porque mesmo com perfis parecidos, cada pessoa tem uma necessidade”, diz o turismólogo e cadeirante Ricardo Shimosakai, diretor da empresa Turismo Adaptado, que elabora roteiros de viagens para pessoas com necessidades especiais. A recomendação aqui é ser o mais detalhista possível, já que, muitas vezes, as empresas não entendem o conceito de acessibilidade. “Se você precisa de uma cadeira de banho, por exemplo, tem que ligar e verificar com o hotel se eles têm e explicar que cadeira de banho não é uma cadeira de piscina”, diz Shimosakai.
Uma vez escolhido o hotel, vale checar informações por telefone e até pedir fotos do local. As dimensões são importantes, especialmente se o turista for cadeirante. “Muitas vezes é preciso solucionar problemas e exigir os direitos antes de aproveitar a viagem. Ao chegar a um lugar, a pessoa com limitações motoras vai gastar tempo para saber quem tem a chave para abrir o elevador, com quem é preciso falar para poder estacionar mais perto ou, ainda, como encontrar alguém que possa ajudar a subir e a descer uma escada”, explica o engenheiro Marcos Bauch, que hoje compartilha as experiências acumuladas no blog “De muletas pelo mundo”. Já o portador de deficiência visual precisará de alguém que o acompanhe até o quarto de hotel e lhe mostre a localização de cada objeto. O deficiente auditivo, por sua vez, terá mais facilidade de se comunicar ao contar com o apoio de funcionários aptos em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.
Além disso, os passeios que serão feitos no destino também precisam levar em conta as limitações. Para o deficiente visual, por exemplo, no lugar de um museu em que apenas o título da obra está escrito em braile, será muito mais prazeroso visitar um jardim sensorial, disponível em alguns parques botânicos de cidades brasileiras, ou uma galeria tátil, como a existente na Pinacoteca do Estado de São Paulo. A 134 quilômetros da capital paulista, a cidade atrai cada vez mais pessoas com mobilidade reduzida ou necessidades especiais, por conta do projeto Socorro Acessível, iniciado em 2005
Viagem inclusiva e os custos
Não necessariamente um deficiente gastará mais dinheiro para viajar. Os estabelecimentos não cobram mais caro por serem acessíveis, mas os custos podem aumentar conforme as adaptações que o turista precise fazer para usufruir de maneira prazerosa da viagem. “Quando fui para Machu Picchu contratei uma agência capacitada para levar pessoas com deficiência, mas tive que pagar por três guias para carregarem minha cadeira de rodas em uma parte do percurso”, explica Ricardo Shimosakai.
Como não são todos os locais que oferecem acessibilidade, a oportunidade de escolha é menor. Por isso, o deficiente nem sempre pode optar pelo hotel mais barato para se hospedar, o menor carro para alugar ou ainda, o restaurante mais econômico da região. É preciso escolher aquele que ofereça soluções para as necessidades individuais.

A menina de todas as cotas....

Inclusive
30/04/2014

Por Tania Menai: jornalista, mora em Manhattan há 17 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, e da coluna Só em Nova York, na revista Tpm.



“Pertenço a todas as cotas: sou negra, mulher, pobre e cega”, diz a bela e carismática carioca Nathalia Rodrigues, 21 anos. Conhecida do público do programa de televisão Esquenta, ela conta com um iPhone que lê textos, tem perfis no Facebook e no Twitter e, mais importante: está se tornando jornalista. No entanto, a vida de Nathalia não tem nenhum glamour fora da tela. Residente de uma comunidade nos subúrbios do Rio, ela conta que cegos no Rio de Janeiro não têm chance de comprar nem uma bengala especial ou um relógio: tudo vem de São Paulo. Cão-guia, nem pensar: eles teriam de ser trazidos do exterior. Depender de estranhos para pegar ônibus também é um enorme risco: ela já foi colocada em várias rotas erradas. Mas nada disso a traumatizou tanto quanto ter que deixar sua suada (e merecida) vaga como bolsista na faculdade de jornalismo da PUC-Rio por uma simples questão: ter sofrido racismo e agressividade dos próprios alunos.
Em entrevista exclusiva à Tpm, Nathalia contou com detalhes como foi a noite de uma quinta-feira, em novembro passado, quando um grupo de cinco estudantes, três homens e duas mulheres a agarram pelo braço e a levaram para uma parte deserta, no bosque da faculdade, arrancando a bengala e torcendo seu antebraço para trás. “Um deles falava que tornaria a minha vida num inferno, que eu não agüentaria quatro anos ali, que eu não pertencia à PUC – e para eu tomar cuidado com as escadas”, lembra ela, que levou mais de um ano para conseguir a vaga, pois dependeu de “ledores” ineficientes no vestibular. Enquanto o estudante falava, duas meninas riam. Depois de meia hora de agressões verbais, este estudante a deixou em algum lugar da faculdade, jogou sua bengala no chão e disse: “ninguém vai descobrir quem eu sou”. De fato, nenhuma daquelas vozes era familiar, o que indica que os alunos não necessariamente são de sua turma ou cursam Jornalismo. As câmeras disponíveis tampouco captaram imagens relevantes.
Mantendo o ocorrido para si, Nathalia só teve coragem de revelar o que sofreu uma semana depois, quando desabou em prantos na frente de uma produtora do Esquenta. Uma notinha na coluna do Ancelmo Góis no jornal O Globo, intitulado “Filhos da PUC” divulgou que ela passaria a contar com seguranças na faculdade, por causa “de estudantes malvados”. Nenhum repórter carioca se interessou em investigar o porquê e ir além da breve nota. Mesmo com seguranças, – cedidos gentilmente pelo vice-reitor Augusto Sampaio, a quem ela deve toda atenção e carinho que recebeu desde o vestibular -, a vida de Nathalia continuou ameaçada. Mas as investigações não deram em nada. Nem sempre os seguranças estavam disponíveis; quando isso acontecia, pessoas “esbarravam” nela propositalmente, e quando ela chamava os seguranças, os agressores fugiam. Até que em janeiro passado, um segurança disse a ela: “você está vendo coisas!”. Ela respondeu: “se eu estivesse vendo, eu não dependeria de você”. Esta foi a gota d’água. Nathalia abandonou seu sonho, transferindo sua matrícula para a ESPM. Ela ainda tem aulas de inglês na PUC, uma manhã por semana, mas anda sempre anda acompanhada por alguém, apesar de saber chegar sozinha na sala de aula. “Ainda tremo quando chego lá”, confessa.
Nathalia vive com sete familiares em casa e tem um namorado. Seu olhar positivo para a vida supera os de muitos que enxergam. Ela anda impecavelmente bem vestida e impressiona por olhar nos olhos do interlocutor: quem não a conhece não percebe que ela é cega. “Minha retina é morta, mas o resto do meu olho funciona – fiz uma terapia para aprender a olhar para as pessoas, calculando um palmo do som que vem da boca”, explica. Recentemente ela foi escolhida para uma programa de jovens da Globo News, não por fazer parte de nenhuma cota: apenas por seu talento.