segunda-feira, 22 de abril de 2013

Visões de um cadeirante

Artigo de Sonia Dezute, ao site "Deficiente Ciente".

Sonia Dezute
Eu sou um ser planetário porque meu corpo faz parte do meio ambiente, mas não sou pensada neste meio ambiente. A cada barreira arquitetônica, a cada adaptação feita só para cumprir papéis, percebo o quanto tenho razão. Os valores sociais de uma cidade são refletidos na sua arquitetura, portanto podemos interpretar, através dessa ideia, o total desprezo que ela nos dá. 
Vejo vagas para carros de motoristas deficientes sendo ocupadas por aqueles a quem não é pertinente. Ouço os guardiões das praças, logradouros e ruas justificando a falta de fiscalização, mas ao mesmo tempo me advertindo por atrapalhar o estacionamento reservado para as motos, mas tendo motos estacionadas nas vagas destinadas a mim. Vejo as guias rebaixadas sempre longe da porta do motorista porque quem planeja essas obras acredita que a pessoa com deficiência estará acompanhada por um motorista e não que ela própria o seja. Vejo as portas dos comércios e departamentos públicos com degraus intransponíveis para as rodas de uma cadeira. Vejo-me passar por constantes constrangimentos quando preciso digitar a senha de acesso do cartão de crédito e não poder alcançar a máquina que está colada bem acima de minha cabeça – enquanto a fila quer andar sinto-me obrigada a burlar a segurança e passar minha senha para terceiros.
Muitas vezes não tenho o direito de usar os banheiros disponíveis nos estabelecimentos porque estes não têm acesso para cadeirantes ou quando tem, é um banheiro unisex, universalizado como se minha condição não me desse o direito de ter meu próprio sexo. Vejo-me desapropriada do direito de estudar porque as escolas não adaptam com competência suas dependências; as rampas não tem a inclinação que me permita exercitar meu direito de ir e vir sozinha. Isso é muito comum em todo órgão publico; a alma do sistema se sente lavada mesmo sem haver disponibilizado adaptações que representem seus verdadeiros objetivos.
Vejo-me invisível diante dos altos balcões de atendimento quando sequer sou enxergada e ouvida pela atendente do outro lado. Vejo-me retida no direito de ser mãe quando não posso socorrer meus filhos porque a segurança dos hospitais acredita que duas vagas apertadas ou bem longe da entrada de acesso do pronto socorro resolvem o problema de cumprir a lei de acessibilidade. Vejo o descaso de bancos que tem vagas reservadas para motorista deficientes, mas não praticam nenhum critério resguardando-as para quem realmente interessa.
Busco apoio dos que compartilham das mesmas necessidades que eu e não encontro eco. Será que sou a única cadeirante consumidora, cliente de banco, dona de casa, mãe de família, estudante, público, fã, espectadora, motorista, cristã, paciente, freguesa, eleitora? Cadê todo mundo? 
Gostaria de dizer que o relevo de nossa cidade não nos impede o manifesto de nossa cidadania e de nos comportarmos como agentes políticos e planetários que somos.
Fico indignada mesmo é quando vejo sorrisos compreensivos ou palavras de pseudo-apoio nessa minha jornada insólita, quando o que realmente falta é competência, competência essa que possibilitaria a pessoa com deficiência fazer parte da paisagem de cada cidade.

Portugal é exemplo europeu nas acessibilidades, garante Instituto Cidades e Vilas com Mobilidade

Matéria extraída do site "Público", de Portugal.

da Redação
No espaço de dez anos, Portugal passou de local onde “o tema [das acessibilidades] começava a florir” a “bom exemplo europeu”, mas tardam em aparecer no terreno os resultados dos sucessivos programas públicos e privados com vista à melhoria da mobilidade para pessoas com deficiência.
Quem o assume é Paula Teles, presidente do Instituto Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM), responsável pelo livro Acessibilidade e Mobilidade para Todos, que é lançado em Lisboa esta quinta-feira. O trabalho dos municípios portugueses neste âmbito “ainda não é visível mas está a aparecer”, garante. 
Tal como o PÚBLICO noticiou no domingo, quem se desloca em cadeira de rodas ou sofre de outro tipo de deficiência física depara-se ainda com inúmeras dificuldades na sua vida diária, seja no acesso a serviços, aos transportes ou simplesmente à via pública. Isto apesar de os centros cívicos de um terço das cidades portuguesas já serem plenamente acessíveis e, de 2008 até hoje, metade dos municípios (154) ter já começado a trabalhar em prol das acessibilidades para todos, aponta o livro.
Em 2003, lê-se no prefácio, “a sociedade civil ganhava força e preparava-se para o combate da democratização dos territórios e do direito à mobilidade”. Actualmente, Portugal é apontado como um exemplo de mobilidade a nível europeu.
Apesar de os resultados práticos ainda serem poucos, de acordo com o livro as boas práticas começam a surgir por todo o país. É por isso que a publicação apresenta 50 exemplos concretos que abrangem o trabalho de câmaras municipais, entidades privadas e comunicação social. A ideia é “mostrar com alegria, numa altura de crise, que temos ainda bons trabalhos em Portugal”, diz Paula Teles.
A crise é, aliás, para a responsável, uma oportunidade. “Algumas destas boas práticas são de baixo custo. Estamos a debater onde investir o nosso pouco dinheiro, vamos aproveitar para que tudo o que fazemos seja bem feito.” E, para o ICVM, foram bem feitas as requalificações urbanas de Valença, São João da Madeira, Palmela e Vilamoura, entre outras.
À procura de mais acessibilidade 
“Estamos em baixo de forma e deprimidos” com a situação actual, explica a fundadora do ICMV, e este livro vem “criar adrenalina” na sociedade e “vai ser importante na campanha para as autárquicas”. Isto porque, acredita Paula Teles, o tema das acessibilidades vai estar presente na retórica política das candidaturas ao poder local. “Os municípios são muito importantes para [o desenvolvimento] [d]esta questão”, até porque, para além de um direito humano, a acessibilidade é hoje também um factor de competitividade.
“O turismo acessível está na ordem do dia. Temos dados que evidenciam que as famílias procuram municípios mais acessíveis”, explica Paula Teles, que é ainda presidente da Comissão Técnica de Acessibilidade e Design Inclusivo do Instituto Português da Qualidade (IPQ). Uma das boas práticas divulgadas no livro no âmbito do turismo é mesmo relativa ao IPQ e ao Turismo de Portugal, que têm colaborado numa Comissão para a Normalização no Domínio do Turismo. 
Os 50 exemplos de práticas acessíveis apresentados em livro serão agraciados com um diploma em Maio, numa cerimónia a realizar na Fundação Serralves, no Porto. Além disto, o livro – que é co-financiado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação – conta também com 13 entrevistas a autarcas e outros responsáveis de entidades públicas e privadas e depoimentos. A cerimónia de lançamento decorre esta quinta-feira, às 17h00, na sede do Instituto Nacional para a Reabilitação, em Lisboa.